DO TEMPO


I
No ombro do dia
(que anoitece)
reflexo n’água
(que anoitece)
o homem se afunda
(e amanhece.)
Na moita da noite
o sonho é fundo.
Na noite do dia
o sonho é fundo.
O sonho é fundo:
o homem cresce.
Do fundo do sonho
o sonho é alto,
de amor se tece.
O homem
é sua paisagem.
E amanhece.
O tempo
é uma cobra.
De repente
se desdobra
e vaza a pupila.
A noite é funda,
a morte tece.
Dentro de si
o homem sabe.
E amanhece.
II
O dia desdobrado
em natureza viva
sobre a toalha bordada
do acaso.
O dia cotidiano
entre as horas
e as frutas na mesa.
O dia a dia
devorado na inconseqüência temporal,
entre o mel e o silvestre
e o pão de casa, a louça herdada
e o talher de sempre,
entre a palavra, o gesto
de servir o prato
e o trocado olhar sobre a mesa
madurando
a infância vegetal.
O dia abre a boca,
verde trevo
entre os dentes.
O dia
entre as cercas vivas,
entre a ponte
mastiga o poente.
O dia abre a porta.
Porto de partir
e repartir.
Dentro e fora
é espera
e novelo.
III
Serei breve,
mas não tão breve
que a eternidade
escape do coração.
Porque sobre a terra
cresce um sonho
de grão em grão
até a plenitude.
É meu sonho de terra justa
e perfeita
e dividida.
Cresce
enquanto espero e cresço
E me acresço
de vão em vão
até o tempo inteiro, o tempo inteiro,
em terra de romã e sonho justo
e perfeito
e dividido.
Serei breve,
Mas não tão breve
que a eternidade
escape do coração.

AS VIVÊNCIAS ELEMENTARES - 1980

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