Reflexões sobre o cárcere no Brasil

Renata Granha
Estudante de Direito da Universidade Unigranrio, no Rio de Janeiro

 
A constante reflexão acerca do sistema penal brasileiro traz à baila alguns questionamentos intrigantes.
São poucos os que lutam contra uma volumosa correnteza destinada à aplicação desmedida de pena privativa de liberdade visando a vingança social-individual.
O Estado, por sua vez, fornece uma espécie de tocha olímpica dissimulada pelo tão valorizado princípio da legalidade que, ao contrário de priorizar o bem social através da delegação de poderes para a autoridade competente impedir o arbítrio, massacra, transfere, agride, perverte e avilta seus filhos.
Não se pode descartar que os princípios religiosos, tão fartamente difundidos, exerçam ainda uma imperiosa força de obediência, apesar de há muito já terem cedido para o Estado seu ius puniendi, e esse, por sua vez, perpetua a valorização dos elementos axiológicos escondendo-se atrás de dogmas já em desuso, transferindo a responsabilidade para Deus.
No caso específico do Brasil, a ruptura entre a classe dominante e a dominada, gerada pelo absoluto desequilíbrio de distribuição da renda, propicia ao jovem uma busca desenfreada pela sobrevivência.
O abandono social, cultural e econômico lança o indivíduo à margem da sociedade, favorecendo a penetração no mundo do crime.
E o que nós cidadãos fazemos? Desejamos que "estes elementos fétidos e cruéis sejam enjaulados e apodreçam bem longe de nós".
Ouso dizer, ainda, que muitos integrantes da classe dominante não entram para a criminalidade por absoluta falta de coragem ou oportunidade. Poderíamos ser nós, mas por uma questão puramente do destino ou da sorte, estamos do outro lado.
Observemos que as leis quando não feitas pela denominada classe dominante são por elas autorizadas e a ela destinadas; não é à toa que a pena mais rigorosa do nosso Código Penal é dedicada aos que matam para roubar.
Roubar quem? A própria classe dominante, naturalmente. Mas o que não se previa é que a cultura da impunidade iria açoitar a vida da classe média que está cada vez mais apavorada. Inesperadamente, o feitiço virou contra o feiticeiro.
Nós legitimamos o poder de punir do Estado e achamos isso muito pouco!
Não há que se conceber a tortura, claro, mas o que fazemos nós com o condenado à privação absoluta de sua liberdade que sente na carne e no espírito o peso e a especificidade da sentença que recebeu? O encerceiramento tem como ideal penal maior a ressocialização de "seres humanos". Mágica? Pensemos na diferença subjetiva entre o sonho e o mito.
O que se espera da prisão descriteriosa? Que o indivíduo repare o dano causado e reveja uma vida digna ou que sua apenação seja o troféu da vítima? Lembremos que o Direito pátrio não aceita a vingança privada.
Não há como restaurar a vida de quem disputa a centímetro quadrado um pouco de oxigênio para sobreviver ao dia seguinte.
Ao contrário do que possa parecer, ressalte-se que a privação da liberdade deve ser aplicada sim, mas desde que findas todas as tentativas e possibilidades do restabelecimento humano e social, preliminarmente com vontade, após, com investimento do poder estatal, cuja função precípua é a de tutelar seus entes.
A prisão deve ser o recurso último, visto que não é possível conviver com constantes violações das normas, entretanto não deve ser banalizada.
O Brasil não está com seu sistema carcerário repleto porque há muitos criminosos no país, mas por simples falta de uma política social de base que ensine as nossas crianças a relevância biunívoca entre necessidade-possibilidade do bem comum.
O "jeitinho brasileiro" tão difundido é uma manobra astuciosa que vitimiza constantemente cada um de nós por pura falta de consciência e trabalho.
A técnica jurídica nos fornece manancial suficiente, pois temos uma Constituição completa e moderna, um Estatuto da Criança e do Adolescente tão de vanguarda que alguns pecam em afirmar que sua aplicação é inviável, para um país de Terceiro Mundo como o nosso. Lamentavelmente, o Estado, ao invés de tornar-se um aliado, transmudou-se em monstro inimigo.
Contar com quem? Resta-nos agir.

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