‘O Irlandês’: auge e decadência do sindicalismo americano no século XX

Desaparecimento misterioso de Jimmy Hoffa simbolizou o fim de uma era.

Quem tiver disposição para acompanhar as três horas e vinte e nove minutos do filme “O Irlandês” não apenas apreciará a majestosa obra de Martin Scorsese e as interpretações viscerais de Robert Niro, Al Pacino e Joe Pesci.
O enredo central sobre o envolvimento do maior sindicato norte-americano com a máfia é uma excelente lição sobre a história recente dos Estados Unidos, de inestimável valia para quem se interessa sobre o Direito do Trabalho e o movimento sindical naquele país.
O sistema de organização dos sindicatos nos EUA guarda algumas semelhanças com o modelo brasileiro, especialmente a unicidade sindical e a organização confederativa. Ambos os sistemas foram criados nos anos 1930, por Franklin Delano Roosevelt nos Estados Unidos e por Getúlio Vargas no Brasil.
Embora, é claro, os correspondentes regimes políticos fossem bastantes distintos, os juristas que conceberam ambos os sistemas beberam na mesma fonte ideológica: o corporativismo e o positivismo sociológico, que preconizavam para o Estado um papel de moderação nas disputas classistas.
Para isso, órgãos estatais foram encarregados de “legitimar” sindicatos de trabalhadores “oficiais”, que se organizam sob forma de confederação, em estruturas hierarquizantes.
Se no Brasil, em razão do advento do Estado Novo, os sindicatos foram postos sob estrita tutela absoluta do governo, nos EUA eles ganharam relativa independência, especialmente financeira, e seus dirigentes assumiram posições de grande protagonismo político – Jimmy Hoffa, o dirigente sindical retratado no filme de Scorsese, foi certamente o mais emblemático deles.
Hoffa, nascido em uma cidade curiosamente chamada Brazil, no Estado de Indiana, alcançou fama como presidente do Sindicato Internacional dos Caminhoneiros (IBT -International Brotherhood of Teamsters). Essa era uma das organizações sindicais mais antigas dos EUA, embora fundada oficialmente em 1903, suas origens remontavam ao século XIX, quando o termo “teamster” se referia aos condutores de veículos de tração animal, como as velhas carruagens.
Durante o seu auge, nas décadas de 1950 e 1960 esse sindicato se tornou o maior dos EUA em número de filiados, alcançando cerca de 2,3 milhões de membros.
O IBT era temido pelo governo americano não apenas pela quantidade de associados, mas principalmente porque era o único que poderia parar o país. Jimmy Hoffa sabia habilmente negociar com a burocracia federal enquanto liderava com entusiasmo seus trabalhadores.
Por exemplo, ele fez um acordo para não ser conscrito durante a Segunda Guerra Mundial, assegurando que não haveria paralisações enquanto durasse o conflito. Também foi o primeiro líder sindical a obter um contrato coletivo uniforme em todo o território nacional, bastante vantajoso para os trabalhadores. Ele também deu seguimento à política anticomunista do mais longevo presidente da entidade, Daniel J. Tobin, que a comandara entre 1907 e 1952.
Esse posicionamento era importante para afirmação de seu poder, especialmente depois que o Congresso dos EUA aprovou em 1947 a Taft-Harley Act, com o intuito de coibir atividades de militantes socialistas nos sindicatos.
Jimmy Hoffa nunca foi motorista de caminhão, sendo na juventude um conhecido agitador sindical em redes de comércio varejista, onde de fato trabalhava. Ele foi posteriormente recrutado por sindicalistas do setor de transporte em razão de seu carisma e sua experiência na organização de sindicatos locais.
Graças a esses talentos, foi ascendendo na burocracia do IBT, até conquistar formalmente a presidência, em 1956. Ele já integrava a alta cúpula da entidade desde a década anterior.
De acordo com a lei americana, os sindicatos podiam na época administrar os ricos fundos de pensão de seus afiliados e essa era a grande fonte de poder e corrupção dos dirigentes sindicais. Como bem ilustrado no filme de Scorsese, essa prerrogativa dava aos sindicalistas a possibilidade de escolher onde investir milhões de dólares, incluindo a construção de hotéis e cassinos (houve muito dinheiro de sindicatos na construção de Las Vegas).
Evidentemente, a Máfia ítalo-americana ficou interessada nesses recursos e os seus gangsters começaram a participar da vida dos sindicatos, “ajudando” os chefões a se perpetuarem no poder, inclusive com a eliminação física de adversários internos.
Os vínculos entre os sindicatos e o crime organizado (que em alguns casos remontavam à década de 1920, especialmente na Chicago de Al Capone) começaram a ser debatidos no Congresso, que instituiu uma comissão especial para investigar atividades sindicais ilegais, na qual se destacou um jovem Procurador chamado Robert F. Kennedy, irmão do futuro presidente John Kennedy.
Os trabalhos da comissão resultaram na aprovação da Landrum-Griffin Act (1959), que exigia publicidade dos atos sindicais.
Quando John Kennedy assumiu a presidência em 1961, ele indicou o seu irmão Robert para o Departamento de Justiça, que começou a investigar as relações entre a máfia e os sindicatos, a partir de sua experiência no Congresso.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Proclamação do amor antigramática

Viagem ao litoral sul e serra catarinense e gaúcha.

Viagem a Cananeia SP em 01-02NOV14